sábado, 28 de fevereiro de 2015

"A Quaresma" por Dom Jaime Spengler

O Tempo da Quaresma nos orienta e prepara para a suprema festa cristã: a Páscoa. Por sua vez a Páscoa ilumina toda a busca cristã. Assim, nós, enquanto atravessamos os quarenta dias do ‘deserto quaresmal’, com a atenção fixa no evento pascal, podemos aprender do combate de Jesus contra o mal, qual a nossa missão no mundo de hoje. Promover a vida plena para todos, empenhados em afastar de nós qualquer expressão do mal. A estrada de Jesus conduz à vida. Por isso, os discípulos de ontem e de hoje se empenham em prol de vida para todos, desde o seu concebimento até o seu ocaso natural. Jesus sentiu, em diferentes momentos de sua vida terrena, a necessidade de se retirar para lugares desertos, de solidão. O deserto, segundo a tradição bíblica, é lugar para escutar a voz de Deus e do tentador. No corre-corre do cotidiano, no rumor, na confusão, na pressa de cada dia não se pode escutar tais vozes; e, se o fazemos, corremos o risco de fazê-lo superficialmente. No deserto, na solidão podemos descer no profundo de nós mesmos e do mistério da vida; é ali que verdadeiramente se joga o nosso destino, a vida e a morte. É espaço onde podemos ouvir a voz capaz de atingir nossa consciência – as vozes do Bem e do Mal. “A beleza do deserto é que ele esconde, em algum lugar, um poço profundo’, nos recorda Saint-Exupéry (O Pequeno Príncipe). A Quaresma é, pois, para nós tempo privilegiado para recolhermo-nos no ‘deserto’. Ali buscamos nos identificar com Cristo, empenhados em fazer nossos os sentimentos d’Ele (Fl 2,5). O jejum, a oração e a esmola são, segundo a tradição, meios privilegiados para a conformação com o Senhor. Por isso, essas práticas não podem cair numa espécie de formalismo exterior. No jejum somos reintegrados; na oração cultivamos a intimidade com o Senhor; na esmola expressamos bondade e generosidade, ao modo do próprio Deus – Ele é ´bom e compassivo’! 
Segundo a tradição oriental, a Quaresma é marcada por uma ‘dolorosa alegria’. Dolorosa porque exige esforço, empenho qual caminho para se chegar à alegria da Páscoa. A ‘dolorosa alegria’ é, talvez, algo de difícil compreensão para nós ocidentais! No entanto, é certamente essa ‘dolorosa alegria’ que está vivendo a esposa de um nosso jovem, professor de música, membro de um dos nossos mais vigorosos movimentos juvenis (CLJ), estupidamente assassinado, dias atrás, em Porto Alegre. Mas essa é também a realidade de tantas pessoas que se sentem atingidas pela violência sem limites que grassa em nossas ruas, vilas, bairros, praças, cidades. Violência que nem mesmo causa indignação! É a realidade de não poucos cristãos que estão sendo brutal e estupidamente martirizados no oriente, à causa de fundamentalismos e conjunturas político-econômicos! Martírio que se torna ‘show macabro’ nas mídias sociais! A Quaresma é, de fato, tempo privilegiado para práticas de penitência – oração, jejum e esmola – como meio característico para a expiação dos pecados não só individuais, mas também sociais, tendo em vista o futuro das novas gerações! A Igreja no Brasil nos convida a, especialmente durante a quaresma de 2015, a refletir sobre o tema “Fraternidade: Igreja e Sociedade”. Os cristãos, filhos e filhas de Deus, são ativos na sociedade. Através do diálogo e da caridade se empenham na transformação da sociedade seguindo os critérios do Evangelho e do Crucificado-Ressuscitado; cuidam das pessoas que são excluídas da sociedade, especialmente os ‘resíduos, sobras’. Sabem que ‘precisamos de muita penitência’ a fim de afastar de nosso meio o ‘espírito do mal’, que continua produzindo expressões de morte. Sabem que através da esmola, do jejum e da oração poderão cooperar para afastar do seio da sociedade o ‘espírito ruim’ que corrompe, explora, fragiliza, dificulta o projeto do Reino de Deus e sua justiça.
Nesse contexto quaresmal, a Igreja nos convida: do deserto à festa da Vida – a Páscoa!

Fonte- CNBB